quinta-feira, 25 de junho de 2009

Rabeca, conheça o muito provável pai do violino

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Entrevista ao www.musicosemcia.mus.br

Você conseguiria dizer quantas cordas tem a rabeca, esse instrumento de aparência tosca,
tocada por todo o Brasil?

Se responder três, quatro ou até seis cordas, acertou plenamente.
Afinal, como sabem os rabequistas ou rabequeiros, não há um padrão para essa diferenciada caixa reprodutora de sons metálicos, assemelhada ao violino e conhecida há muitos séculos entre diferentes povos.

Valmir Rosa é um desses artistas experimentados na arte de não apenas tocar, mas principalmente construir rabecas e, ainda, a viola caipira e outros instrumentos. Segundo esse paulistano, a provável origem dessa peça é árabe. Os historiadores datam sua origem no período que antecede a produção dos textos bíblicos. Na Ásia e na África elas também são conhecidas desde o começo dos registros escritos. Praticamente, diz Valmir, todas as grandes civilizações tiveram, no decorrer de suas histórias, um instrumento pequeno tocado por um arco, que poderíamos chamar de rabeca. Porém, a que hoje se toca no Brasil, provavelmente é da família das rabecas árabes.

A história, observa Valmir, "registra que os europeus conheceram a rabeca durante a dominação moura na Europa. Os europeus absorveram-na como instrumento usado pelos menestréis, sendo muito difundida na Idade Média. Conta-se que a rabeca viajou de castelo em castelo e alastrou-se, até que se tornou objeto comum a nobres e plebeus".

Já no final da época dos feudos, no período em que as cidades começaram a se formar, a música tomou uma nova dimensão, exigindo instrumentos mais elaborados, que permitiam mais recursos sonoros e melhor execução. Foi, então, que pela mão dos mestres artesãos, provavelmente na Itália, a rabeca deu origem a um instrumento mais exato e de melhor execução, que conhecemos hoje por violino. Entretanto, nas aldeias mais afastadas dos grandes centros e entre a população mais pobre, a rabeca continuou o mesmo instrumento tosco e rústico, geralmente manufaturado pelas mãos de quem os tocava.

Cordas e afinação
Nessa época, lembra Valmir, a rabeca tinha três cordas. E foi provavelmente ess
e modelo de instrumento que chegou ao Brasil pelas mãos dos portugueses no começo da colonização. Posteriormente, viriam as suas variações, trazidas pelos espanhóis, italianos e outros povos.

"Não existe um padrão específico na construção da rabeca. E também não existe uma afinação fixa. Em cada lugar ou região do Brasil ela é feita e afinada de maneira diferente", relata Valmir, nascido em 1960, no bairro de Vila Esperança, zona Leste da capital de São Paulo e descendente de uma família originária de Franca, também no Estado de São Paulo.

Existem rabecas de três, quatro e até de seis cordas. Essas são as mais comuns. Porém, um rabequista pode fazer sua peça e tocar com quantas cordas quiser. "A afinação igualmente é uma coisa muito pessoal, que depende da educação musical ou da intuição do tocador. Eu só toco rabeca de três cordas. Como toco muita música caipira, afino a primeira corda em Si, a segunda em Mi e a terceira em Si oitavada", diz esse produtor de instrumentos.

Alguns de seus amigos afinam, por exemplo, quatro cordas em intervalos de quintas, semelhante ao violino. "Quanto às rabecas de seis cordas, eu só vi uma até hoje, na mão do rabequista Teo Azevedo, que tinha sido construída pelo rabequeiro Sinval da Gameleira. E não perguntei a afinação. Para falar a verdade, eu não me lembro inclusive se era de seis ou de oito cordas", assinala Valmir, numa indicação de que há realmente uma grande individualização entre o instrumentista e sua peça em particular.

Amor pelos instrumentos

Valmir começou a se afeiçoar por instrumentos musicais quando, em sua juventude, passou a freqüentar rodas de capoeira e os terreiros de Umbanda. "Aí sim eu comecei a fazer meus próprios instrumentos musicais. O primeiro foi um berimbau. Aprendi com meus colegas de capoeira, pois quase todos os capoeiristas sabiam fazer berimbau. Depois, por curiosidade e observação, aprendi a fazer caxixi (um brinquedo infantil encontrado na Bahia), pandeiros e pequenos tambores, sem ninguém ensinar. Até hoje conheço os toques clássicos da capoeira e sei cantar vários pontos de umbanda que aprendi nessa época", diz o construtor.

Crescido nesses ambientes, seus primeiros instrumentos foram assim os dedicados à percussão, de origem africana, bem como outros mais usados no Nordeste. Nesta fase de sua vida um amigo transmitiu-lhe ensinamentos sobre a construção dessas peças. "Era o João Junior e nós tínham

os uma barraca onde vendíamos os instrumentos, na feira de artes da Praça da República, em São Paulo. Pesquisamos juntos durante muito tempo e chegamos até a viajar pela Bahia e tocar com várias pessoas", relata Valmir, falando de sua estada por seis anos neste Estado brasileiro.

Inquieto, então, Valmir diz que sentia falta de um trabalho que tivesse mais a ver com sua identidade. "Comecei a conhecer os instrumentos qu

e eram usados nas festas populares paulistas e percebi que as violas usadas nas Folias de Reis e no Cururu eram as mesmas que eu ouvia no rádio quando criança, lá para os lados da Vila Rio Branco, no bairro de São Miguel. Foi o retorno de uma paixão que estava escondida na minha memória", pontua o rabequeiro.


Técnicas de construção

Valmir não se considera luthier, alegando que seus instrumentos são de construção popular, tal como o fabricam os caboclos e caiçaras, empregando técnicas desenvolvidas há várias gerações, nos seus respectivos lugares de origem. "A luteria é uma escola européia com técnicas adquiridas em cursos regulares, embora tenhamos muitos luthiers autodidatas. Portanto, não uso madeiras ditas nobres como o abeto ou o pinho sueco, que são madeiras importadas e caras. Uso madeiras simples, mas muito boas para instrumentos, tais como o pinho, cedro, caixeta e outras", afirma o construtor.

Quanto à complexidade na construção de uma rabeca, ele acha que isso depende muito mais da habilidade manual e da convivência com a produção do instrumento do que da matéria-prima ou qualidade das ferramentas. Um rabequeiro popular não faz acabamento lisinho e perfeito no seu instrumento, como os luthiers fazem nos seus violinos, usando lixas, vernizes e polimentos. "O rabequeiro faz um instrumento mais selvagem. A aparência rústica faz parte do instrumento. Porém, a rabeca tem que ser exata, ser afinada e obedecer ao seu tocador", assinala.

As rabecas geralmente têm a alma (pequeno cilindro de madeira colocado verticalmente entre o tampo e o fundo e cuja finalidade é transmitir as vibrações sonoras à caixa de ressonância), mas não usam barra harmônica (um sarrafo de sustentação). O som metálico da rabeca deve-se mais às condições da madeira, tratada de forma diferente, ao emprego de seu arco típico e, também, aos encordoamentos de aço. E tal como o faz no fabrico da viola caipira, ele emprega na produção de rabecas o pinho, cedro-rosa e caixeta.
"Para tambores, pandeiros e outros, uso também alguns compensados, tampas de garrafas, cabaças, cocos e algumas sementes de bambu", relata Valmir, que inclui em sua oferta de instrumentos igualmente o reco-reco, cuíca, tambor de língua, matraca, tambor falante, caixas de folia, marimba, ganzá (chocalho), maracá, afoxé, marimba, calimbas, balafom (xilofone), uma lista que ele considera extensa.

A rabeca no Brasil

A rabeca nordestina é a mais conhecida entre nós, principalmente porque os rabequeiros pernambucanos são muito atuantes. Lembra Valmir que é esse o caso de Antônio Nóbrega; de Siba (rabequeiro do Mestre Ambrósio); do mestre Salustiano; e de Nélson das Rabecas, originário de Alagoas. De qualquer forma, a rabeca é encontrada em várias regiões do Brasil.

"Eu pessoalmente já encontrei rabequeiros no Paraná, em São Paulo e Minas Gerais. Em outros lugares sei que existem. Em São Paulo e Paraná vi muitos no litoral. Os caiçaras fazem rabecas escavadas, ou seja, esculpidas em uma só peça de madeira. Entre eles, Arão Barbosa, Florêncio, Valter Davino, Djalma de Freitas, Ricardo Nunes Pereira e Pica-Pau, apenas para mencionar alguns", comenta Valmir.

No litoral Sul de São Paulo, a forma de música mais executada pelos rabequistas é o fandango, um conjunto de ritmos e danças que eles dominam, sob ritmos que eles denominam don-don, chimarrita, querumana, reiada e outros. No interior deste Estado também tem muito rabequeiro e a rabeca que eles fazem é diferente da dos caiçaras. "São rabecas montadas, feitas pouco a pouco, de peça em peça. É o tipo de rabeca que faço", observa Valmir, que toca música tradicional paulista, não aquela de palco, mas a que se executa "nos quintais, nas funções religiosas e nas festas e rodas de viola".

De Minas Gerais, Valmir cita Teo Azevedo, de Alto Belo, com quem já participou de um giro de sua Folia de Reis, ocasião em que conheceu Sinval da Gameleira, Marimbondo Chapéu e Antônio Preto, outros rabequeiros da Folia.


Um músico diferente

Apesar de a rabeca ser considerada um instrumento musical, Valmir entende que o rabequeiro não é um músico. "O rabequeiro aprende a tocar por intuição e observação. Sua música é extremadamente pessoal, pois traz em si as tradições oral e familiar, e o modo de viver de cada um", acentua Valmir, lembrando que num único bairro podem ser encontrados dois rabequeiros, mas cada um executando um único ritmo, de maneira completamente diferente.

"Os rabequeiros que conheço não sabem nada sobre técnica de afinação ou notas musicais. Aprendem a afinar a rabeca de ouvido, num tom qualquer e a desenvolver seus temas a partir dali, por pura intuição. São pessoas livres e tocam o que querem. Porém, ao contrário do que parece, tocar um instrumento sem metodologia didática e sem regras musicais é muito mais difícil, pois requer habilidade e poder de improvisação. Note-se que 90% do que toco é improvisado", explica o rabequeiro. Supostamente, não existem professores de rabeca.

Há também músicos que incorporam a rabeca como um segundo instrumento. Viram alguém tocando e se apaixonaram por ele. São esses músicos que fomentam o mercado, que a compram, adquirem livros e discos a seu respeito, e viajam para conhecer as festas e os rabequeiro.

Valmir acredita que esses músicos vão levantar, de forma decidida, a bandeira da rabeca em futuro próximo, "pois, junto com a rabeca, eles aprendem a ouvir música caipira; a conhecer a cultura caiçara; a visitar as Festas do Divino e as Folias de Reis; e a ver a vida de um modo diferente". Ele observa que existem, ainda, os músicos que tocam composições antigas ou medievais. "São músicos bem formados, pesquisadores que tocam instrumentos de época como rabecas, violas da gamba, vihuela ou guitarra barroca. Verdadeiros pesquisadores da história da música". Não é possível imaginar o número atual de rabequeiros no país.

A produção de rabecas

Valmir faz basicamente dois tipos de rabeca, a de madeira e a de cabaça. Seus arcos empregam rabo de cavalo, nylon (linha de pesca) ou fibra vegetal. As peças têm bom acabamento, porém, com aparência rústica, projetando som forte e selvagem.

"Faço uma por uma, com muito carinho, cada uma com um timbre único. A rabeca de madeira eu faço sempre do mesmo tamanho, porque foi o modelo que desenvolvi é o meu jeito de fazer. A rabeca de cabaça muda, pois as cabaças não são sempre do mesmo formato. Todas são de três cordas. Elas são adquiridas por músicos que já tocam esse instrumento ou por iniciantes e até colecionadores", relata o profissional. Encomendas especiais que lhe chegam em São Paulo podem incluir rabecas do estilo medieval ou até de caixa de charutos.

O rabequeiro encontra em Sandra Abrano, sua mulher, uma companheira também como produtora de instrumentos. Em seu galpão de trabalhos, ela ali fabrica peças feitas em argila, cujos modelos podem ser cópias dos formatos tão antigos quanto aqueles registrados na história do próprio homem.

Os sons de suas pequenas flautas, apitos, ocarinas e outros se somam aos das rabecas de Valmir no final da produção da Barro e Cordas, a pequena empresa de onde os instrumentos saem inclusive para outros países.


Barro e Cordas
www.barroecordas.com.br

3 comentários:

  1. Olá Valmir. Gostaria de entrar em contato com você sobre a fabricação de uma rabeca. Agradeço desde já.

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  2. Olá Mestre Valmir quanto tá o preço de sua rabeca?
    mveloso8@gmail.com

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  3. É claro que você é sim um grande luthier! O fato de não usar madeiras importadas em nada diminui a nobreza do seu trabalho!

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